16/03/13

O que é? – Parte 3: GIALLO

 
 
A rúbrica “O que é?” permanece na Itália, para desta feita vos apresentar outro subgénero popular nas décadas de 60 e 70: o Giallo (ou gialli no plural).
O termo foi originalmente utilizado para descrever as novelas de suspense e mistério que eram comercializadas em livros de bolso, baratos, cuja particularidade era ter capas amarelas (“giallo” em Italiano).
Em meados da década de 60, estas novelas começaram a ser adaptadas para o grande ecrã. No início eram adaptações fiéis dos livros mas, com o tempo o Giallo como género cinematográfico acabou por tomar contornos mais artísticos, fundindo as bases de mistério e suspense com algum terror psicológico e erotismo.
Os gialli são caracterizados por um ambiente de constante suspense, com forte influência de Hitchcock e dos Noir norte-americanos, em que um misterioso homicida (o “whodunit” é uma marca característica), invariavelmente de luva e de faca, que é o único que vemos no ecrã no momento do crime, vai assassinando as personagens de forma brutal, visceral, sangrenta. A brutalidade e frieza do acto são apresentadas de forma artística, quási-operática, de uma intensidade plena, com planos de câmara que nos põem na pele do assassino. As vítimas são, na generalidade, belas mulheres, que são atacadas em momentos de vulnerabilidade, tais como o duche. A nudez é, portanto, mais que abundante e, o que no início é belo acaba por se tornar doentio, quando a abundância de sangue se contrapõe à já dita nudez, num cenário que tem tanto de macabro como de artístico.
Tal como já referido, o assassino mantém-se incógnito até ao fim, e quando aparece está sempre de luvas, com gabardina, óculos escuros e chapéu, escondendo não só a sua identidade como até as características próprias do seu sexo. No decorrer do filme este(a) é apresentado(a) como uma pessoa normal, equilibrada e feliz até. No entanto, no final ficamos a saber o seu passado, as suas origens, e motivos para os actos que perpetrou.
 
 
Outro aspecto importantíssimo no Giallo é a banda sonora, que ajuda a criar o ambiente de suspense, sufoco, paranóia, alienação e perigo constante. Um dos grandes nomes nesta área é Ennio Morricone que, depois de ter dado cartas no spaghetti western, as continua a dar no Giallo. Outros nomes de realce são Bruno Nicolai, Fabio Frizzi, Riz Ortolani e a banda de Rock Progressivo Goblin (responsável pela maior parte da música dos filmes de Argento).
Um pormenor que acabou por se tornar também característica do género, é o facto de a maior parte dos títulos ter referências a animais ou números, como poderão mais à frente verificar.
O Giallo é notória influência em grandes nomes do cinema mundial, tais como Brian De Palma, Quentin Tarantino ou Darren Aronofsky e é, sem sombra de dúvida, o precursor de um subgénero mais cru, simples e directo, surgido mais tarde nos USA, denominado Slasher.
O primeiro filme tido como Giallo, lançado em 1963, foi “The Girl Who Knew Too Much” do mestre Mario Bava. No ano seguinte realiza o influente clássico “Blood And Black Lace”. Bava ainda iria realizar mais alguns títulos no género, embora este se movesse em vários estilos, desde o terror clássico B/W, à ficção-científica, passando inclusive pela comédia. Mas fosse qual fosse o género abordado, havia sempre um grande cuidado na forma visual, estética e ambiente. Estas características iriam influenciar fortemente os senhores que se seguiram.
 
 
Outro dos grandes nomes de relevo é Dario Argento, discípulo e amigo não só de Bava como também de Sergio Leone. Argento aliás é responsável por alguns argumentos de spaghetti westerns. Argento levou o Giallo a um extremo de estilo visual, ambiente e terror que seria difícil de igualar pelos seus pares. O argumento convencional deixou de ser tão importante como o aspecto estético e, apesar de algumas histórias serem de certa forma confusas, o ambiente de sonho/pesadelo dos seus filmes é marca do mestre e compensa, e até dá alguma justificação ao enredo simples, inexistente ou até bizarro. Como poderão ver mais abaixo, a lista de sugestões está repleta de material Argento.
Outros realizadores de realce são Lucio Fulci (“A Lizard In A Woman’s Skin” ou “Don’t Torture A Duckling”, ambos de 1971), Umberto Lenzi (“Seven Blood-Stained Orchids” de 72 e “Spasmo” de 1974), Sergio Martino (“Your Vice Is A Locked Room” de 72 ou “Torso” de 74), Massimo Dallamano (“What Have You Done To Solange?” de 72), por exemplo.
O Giallo ainda continua a existir, embora de forma mais modesta, aleatória e até dissolvida. Na década de 80 este já se havia transformado e/ou misturado com outros géneros. Poderíamos falar em alguns nomes e filmes com interesse, mas o Giallo, tal como o entendemos e definimos, era o produzido na Itália entre 1964 e 1979/80, sensivelmente.
Algumas das sugestões que apresento a continuação são as mais óbvias, tal como nos outros capítulos desta rúbrica, e não seguem qualquer ordem, pois são todos essenciais.
The Girl Who Knew Too Much (Mario Bava, 1963) – O primeiro Giallo e o último filme de Bava a branco e preto.
 
Blood and Black Lace (Mario Bava, 1964) – Se o anterior foi o primeiro, este é um dos mais influentes e catalisador do género.
 
 
The Bird with the Crystal Plumage (1970) + The Cat o' Nine Tails (1971) + Four Flies on Grey Velvet (1971) – Dario Argento e a sua trilogia animal. Os filmes são similares e, nesta altura, ainda seguem a inspiração Hitchcock, com um argumento mais centrado no mundano, real, possível, ao contrário das temáticas sobrenaturais que se tornariam sua imagem de marca. Morricone é responsável pelas fantásticas bandas sonoras (os 3 filmes). A partir daqui, após um desentendimento entre os dois, Argento passaria a trabalhar com Goblin.
 

 
A Lizard in a Woman's Skin (Lucio Fulci, 1971) – Em Londres, a filha de um respeitado político é assombrada por pesadelos que incluem orgias, depravações sexuais e consumo de LSD. Num desses pesadelos esta comete um grotesco homicídio e, quando acorda, depara-se com uma investigação criminal sobre o assassinato da sua vizinha. Facto interessante: uma das grotescas cenas envolvendo cães, que assassinam uma mulher, levou Fulci e a sua equipa a tribunal. O criador de efeitos especiais Carlo Rambaldi testemunhou a favor de Fulci, safando-o de uma sentença de 2 anos de cadeia. Foi a primeira vez na história do cinema em que um artista de efeitos especiais teve de provar o seu trabalho em tribunal.
 
 
Black Belly of the Tarantula (Paolo Cavara, 1971) – Um assassino está a atacar mulheres associadas a um caso de chantagem e extorsão. O homicida paralisa as suas vítimas com uma agulha e depois esventra-as. O Inspector Tellini está encarregue do caso. É tido como um dos melhores Giallo de sempre por muitos fãs de terror.
 
Don't Torture a Duckling (Lucio Fulci, 1972) – Mais violento do que os restantes Giallo, este filme marca a introdução de Fulci de elementos gore mais gráficos que viriam a ser habituais nos seus trabalhos futuros como “The Beyond” ou “City Of The Living Dead”.
 
Who Saw Her Die? (Aldo Lado, 1972) – Uma jovem é assassinada brutalmente e os seus pais começam a investigar. Os homicídios seguem-se e toda a gente que se envolve no caso acaba por cair vítima do assassino. Um facto interessante: George Lazenby, que encarna o pai da rapariga neste filme, foi James Bond em 1969, em “On Her Majesty's Secret Service.
 
Your Vice Is a Locked Room and Only I Have the Key (Sergio Martino, 1972) – O filme usa várias ideias da estória “O Gato Negro” de Edgar Allan Poe e é protagonizado por duas das musas do Giallo (e não só), Edwige Fenech e Anita Strindberg. O título é uma referência a outro filme de Martino, “The Strange Vice of Mrs. Wardh” de 1971, em que o assassino deixa uma nota com a frase à sua vítima (interpretada por Fenech).
 
What Have You Done to Solange? (Massimo Dallamano, 1971) – Outra entrada que é considerada como um dos pontos altos do género. É baseado em parte no livro de Edgar Wallace “The Clue of the New Pin”. Enrico Rosseni, professor de Italiano, está a ter um caso com uma aluna e, num dos seus encontros, estes são testemunhas de um assassinato. As estudantes começam a ser assassinadas uma a uma. Rosseni é o suspeito principal e tem de limpar o seu nome.
 
Torso (Sergio Martino, 1973) – Considerado o precursor dos Slasher. Um homicida anda a estrangular raparigas numa faculdade. Um grupo de amigas vai passar um fim-de-semana na quinta da família de uma delas. O assassino segue-as e mata-as uma a uma. O argumento parece-vos familiar? É o argumento de qualquer slasher norte-americano de finais dos 70s e 80s. É claro que em “Torso” é tudo feito com outro nível de sofisticação próprio do Giallo e que não existe no Slasher.
 
 
Profondo Rosso aka Deep Red (Dario Argento, 1975) – Preciso de me alongar muito? É realizado por Dario Argento! E é um dos melhores! Ainda não viram, e ainda estão aqui a ler? Está na hora de perder (ou ganhar na minha opinião) 120 minutos das vossas vidas.
 
 
Suspiria (Dario Argento, 1977) – Ainda estão a ler? OK, certo, vão acabar de ler o artigo. Mas assim que acabarem, este é outro Argento obrigatório. É um dos Giallo mais conhecidos, senão o mais conhecido globalmente. A banda sonora de Goblin é facilmente reconhecível.
 
 
Sette Note In Nero aka The Psychic (Lucio Fulci, 1977) – Outro filme de Fulci na listagem. Considerado como um dos melhores do realizador, não só no género aqui retratado, mas num conceito geral de filme de terror. É habitualmente comparado ao filme norte-americano “Eyes of Laura Mars” de 1978. Vejam os dois e tirem as vossas conclusões.
 

 
The Pajama Girl Case (Flavio Mogherini, 1977) – O estilo visual, o argumento, e até o local onde a história se desenrola (Austrália) fogem um bocado a aquilo que estamos habituados mas é, sem dúvida, um Giallo. E um dos melhores, por isso mesmo figura nesta lista.
 
 
 
Fico por aqui. Muito mais poderia escrever, mais nomes poderia referir, mais títulos a recomendar, etc. Mas esta rúbrica não pretende ser uma enciclopédia exaustiva dos géneros retratados, mas sim uma pequena introdução, simples, directa e de fácil assimilação.
Quanto ao próximo capítulo desta rúbrica, não sei quando será lançado, nem qual será o seu conteúdo. No futuro ainda pretendo escrever uns capítulos dedicados a géneros e temas como: slashers, video nasties, chambara, yakuza, pinku, shaw bros, kaiju, 70s exploitation, etc.
Sugestões?
 
 
Fontes e websites interessantes sobre o género:
 
 
RDS

3 comentários:

Anónimo disse...

Antes de mais, ainda bem que voltas-te ao blog. Passei por cá um dia e qual foi a minha surpresa em ver que estavas novamente "online", agora qualquer estilo é bem vindo, mas não tão rápido pois não consigo acompanhar tantos filmes ao mesmo tempo! ahaha

Leo Silva disse...

Cara, seu blog é maravilhoso, por favor, poste mais! sempre que possível. Existem poucos blogs de cinema tão abrangentes como seu na internet em língua Portuguesa. É tão bom ver que você (assim como eu) é apreciador do cinema Italiano antigo que é tão desconhecido do grande público hoje. Sou apaixonado pelos filmes de spaghetti western, macaroni combat, peplum, giallo, poliziotteschi, fumetti neri, os controversos mondo films, caramba tanta coisa boa vinha do cinema Italiano nos anos 60s até final dos 80s.... por favor, não deixe esse blog morto

Leo Silva disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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