A rúbrica “O que é?” permanece na Itália, para desta
feita vos apresentar outro subgénero popular nas décadas de 60 e 70: o Giallo
(ou gialli no plural).
O termo foi originalmente utilizado para descrever as
novelas de suspense e mistério que eram comercializadas em livros de bolso,
baratos, cuja particularidade era ter capas amarelas (“giallo” em Italiano).
Em meados da década de 60, estas novelas começaram a
ser adaptadas para o grande ecrã. No início eram adaptações fiéis dos livros
mas, com o tempo o Giallo como género cinematográfico acabou por tomar
contornos mais artísticos, fundindo as bases de mistério e suspense com algum
terror psicológico e erotismo.
Os gialli
são caracterizados por um ambiente de constante suspense, com forte influência
de Hitchcock e dos Noir norte-americanos, em
que um misterioso homicida (o “whodunit”
é uma marca característica), invariavelmente de luva e de faca, que é o único
que vemos no ecrã no momento do crime, vai assassinando as personagens de forma
brutal, visceral, sangrenta. A brutalidade e frieza do acto são apresentadas de
forma artística, quási-operática, de uma intensidade plena, com planos de
câmara que nos põem na pele do assassino. As vítimas são, na generalidade,
belas mulheres, que são atacadas em momentos de vulnerabilidade, tais como o
duche. A nudez é, portanto, mais que abundante e, o que no início é belo acaba
por se tornar doentio, quando a abundância de sangue se contrapõe à já dita
nudez, num cenário que tem tanto de macabro como de artístico.
Tal como já referido, o assassino mantém-se incógnito
até ao fim, e quando aparece está sempre de luvas, com gabardina, óculos
escuros e chapéu, escondendo não só a sua identidade como até as
características próprias do seu sexo. No decorrer do filme este(a) é
apresentado(a) como uma pessoa normal, equilibrada e feliz até. No entanto, no
final ficamos a saber o seu passado, as suas origens, e motivos para os actos
que perpetrou.
Outro aspecto importantíssimo no Giallo é a banda
sonora, que ajuda a criar o ambiente de suspense, sufoco, paranóia, alienação e
perigo constante. Um dos grandes nomes nesta área é Ennio Morricone que, depois
de ter dado cartas no spaghetti western, as continua a dar no Giallo. Outros
nomes de realce são Bruno Nicolai, Fabio Frizzi, Riz Ortolani e a banda de Rock
Progressivo Goblin (responsável pela maior parte da música dos filmes de
Argento).
Um pormenor que acabou por se tornar também
característica do género, é o facto de a maior parte dos títulos ter referências
a animais ou números, como poderão mais à frente verificar.
O Giallo é notória influência em grandes nomes do
cinema mundial, tais como Brian De
Palma, Quentin Tarantino ou Darren Aronofsky e é, sem sombra de dúvida, o
precursor de um subgénero mais cru, simples e directo, surgido mais tarde nos
USA, denominado Slasher.
O primeiro filme tido como Giallo, lançado em 1963,
foi “The Girl Who Knew Too Much” do mestre Mario Bava. No ano seguinte
realiza o influente clássico “Blood And Black Lace”. Bava ainda iria realizar mais
alguns títulos no género, embora este se movesse em vários estilos, desde o
terror clássico B/W, à ficção-científica, passando inclusive pela comédia. Mas
fosse qual fosse o género abordado, havia sempre um grande cuidado na forma
visual, estética e ambiente. Estas características iriam influenciar fortemente
os senhores que se seguiram.
Outro dos grandes nomes de relevo é Dario Argento, discípulo
e amigo não só de Bava como também de Sergio Leone. Argento aliás é responsável
por alguns argumentos de spaghetti westerns. Argento levou o Giallo a um
extremo de estilo visual, ambiente e terror que seria difícil de igualar pelos
seus pares. O argumento convencional deixou de ser tão importante como o
aspecto estético e, apesar de algumas histórias serem de certa forma confusas,
o ambiente de sonho/pesadelo dos seus filmes é marca do mestre e compensa, e
até dá alguma justificação ao enredo simples, inexistente ou até bizarro. Como
poderão ver mais abaixo, a lista de sugestões está repleta de material Argento.
Outros realizadores de realce são Lucio Fulci (“A Lizard In A
Woman’s Skin” ou “Don’t Torture A Duckling”, ambos de 1971), Umberto Lenzi (“Seven
Blood-Stained Orchids” de 72 e “Spasmo” de 1974), Sergio Martino (“Your
Vice Is A Locked Room” de 72 ou “Torso” de 74), Massimo Dallamano
(“What Have You Done To Solange?” de 72), por exemplo.
O Giallo ainda continua a existir, embora de forma mais
modesta, aleatória e até dissolvida. Na década de 80 este já se havia
transformado e/ou misturado com outros géneros. Poderíamos falar em alguns
nomes e filmes com interesse, mas o Giallo, tal como o entendemos e definimos, era
o produzido na Itália entre 1964 e 1979/80, sensivelmente.
Algumas das sugestões que apresento a continuação são
as mais óbvias, tal como nos outros capítulos desta rúbrica, e não seguem
qualquer ordem, pois são todos essenciais.
Blood and Black Lace
(Mario Bava, 1964) – Se o anterior foi o primeiro, este é um dos mais
influentes e catalisador do género.
The
Bird with the Crystal Plumage (1970) + The Cat o' Nine
Tails (1971) + Four Flies on
Grey Velvet (1971) – Dario Argento e a sua trilogia animal. Os filmes são similares e, nesta altura,
ainda seguem a inspiração Hitchcock, com um argumento mais centrado no mundano,
real, possível, ao contrário das temáticas sobrenaturais que se tornariam sua
imagem de marca. Morricone é responsável pelas fantásticas bandas sonoras (os 3
filmes). A partir daqui, após um desentendimento entre os dois, Argento
passaria a trabalhar com Goblin.
A Lizard in a Woman's Skin (Lucio Fulci, 1971) – Em Londres, a filha
de um respeitado político é assombrada por pesadelos que incluem orgias,
depravações sexuais e consumo de LSD. Num desses pesadelos esta comete um
grotesco homicídio e, quando acorda, depara-se com uma investigação criminal
sobre o assassinato da sua vizinha. Facto interessante: uma das grotescas cenas
envolvendo cães, que assassinam uma mulher, levou Fulci e a sua equipa a
tribunal. O criador de efeitos especiais Carlo Rambaldi testemunhou a favor de
Fulci, safando-o de uma sentença de 2 anos de cadeia. Foi a primeira vez na
história do cinema em que um artista de efeitos especiais teve de provar o seu
trabalho em tribunal.
Black Belly of the Tarantula (Paolo Cavara, 1971) – Um
assassino está a atacar mulheres associadas a um caso de chantagem e extorsão.
O homicida paralisa as suas vítimas com uma agulha e depois esventra-as. O
Inspector Tellini está encarregue do caso. É tido como um dos melhores Giallo
de sempre por muitos fãs de terror.
Who Saw Her
Die? (Aldo Lado, 1972) – Uma jovem
é assassinada brutalmente e os seus pais começam a investigar. Os homicídios
seguem-se e toda a gente que se envolve no caso acaba por cair vítima do
assassino. Um facto interessante: George Lazenby, que encarna o pai da rapariga
neste filme, foi James Bond em 1969, em “On
Her Majesty's Secret Service”.
What
Have You Done to Solange? (Massimo Dallamano,
1971) – Outra entrada que é considerada como um dos pontos altos do género. É baseado
em parte no livro de Edgar
Wallace “The Clue of the New Pin”. Enrico Rosseni, professor de Italiano, está
a ter um caso com uma aluna e, num dos seus encontros, estes são testemunhas de
um assassinato. As estudantes começam a ser assassinadas uma a uma. Rosseni é o
suspeito principal e tem de limpar o seu nome.
Torso (Sergio
Martino, 1973) – Considerado o precursor dos Slasher. Um homicida anda a
estrangular raparigas numa faculdade. Um grupo de amigas vai passar um
fim-de-semana na quinta da família de uma delas. O assassino segue-as e mata-as
uma a uma. O argumento parece-vos familiar? É o argumento de qualquer slasher
norte-americano de finais dos 70s e 80s. É claro que em “Torso” é tudo feito
com outro nível de sofisticação próprio do Giallo e que não existe no Slasher.
Profondo Rosso aka Deep Red
(Dario Argento, 1975) – Preciso de me alongar muito? É realizado por Dario Argento!
E é um dos melhores! Ainda
não viram, e ainda estão aqui a ler? Está na hora de perder (ou ganhar na minha
opinião) 120 minutos das vossas vidas.
Suspiria (Dario Argento, 1977)
– Ainda estão a ler? OK, certo, vão acabar de ler o artigo. Mas assim que
acabarem, este é outro Argento obrigatório. É um dos Giallo mais conhecidos,
senão o mais conhecido globalmente. A banda sonora de Goblin é facilmente
reconhecível.
Sette Note In Nero aka The Psychic (Lucio Fulci, 1977) – Outro filme de Fulci
na listagem. Considerado como um dos melhores do realizador, não só no género
aqui retratado, mas num conceito geral de filme de terror. É habitualmente comparado
ao filme norte-americano “Eyes of Laura Mars”
de 1978. Vejam os dois e tirem as vossas conclusões.
The Pajama Girl Case (Flavio Mogherini,
1977) – O estilo visual, o argumento, e até o local onde a história se
desenrola (Austrália) fogem um bocado a aquilo que estamos habituados mas é,
sem dúvida, um Giallo. E um dos melhores, por isso mesmo figura nesta lista.
Fico por
aqui. Muito mais poderia escrever, mais nomes poderia referir, mais títulos a
recomendar, etc. Mas esta rúbrica não pretende ser uma enciclopédia exaustiva
dos géneros retratados, mas sim uma pequena introdução, simples, directa e de
fácil assimilação.
Quanto ao próximo capítulo desta rúbrica, não sei
quando será lançado, nem qual será o seu conteúdo. No futuro ainda pretendo escrever
uns capítulos dedicados a géneros e temas como: slashers, video nasties,
chambara, yakuza, pinku, shaw bros, kaiju, 70s exploitation, etc.
Sugestões?
Fontes e websites interessantes
sobre o género:
RDS